Na minha estante tem: Os Irmãos Sisters
- daspaginasepelicul
- 9 de jun. de 2017
- 5 min de leitura

Quando se fala em faroeste, qual é a primeira coisa que se passa na sua cabeça? Na minha sempre vinha cavalos, saloons e suas mulheres, homens com chapéu bebendo uma dose bem forte e tiros, muitos tiros! Matanças por causa de ouro, terras, reputação, guerra com índios... bem aquele cenário de filme que estamos acostumados a ver. Mas será que essa temática consegue tratar com profundidade a alma humana? Consegue falar sobre relações interpessoais, laços como amizade, família, amores... eu acredito que o maior barato da literatura (e das artes em geral) é poder se comunicar com o outro usando qualquer tipo de temática. Patrick deWitt usa um faroeste bem escrito pra falar de uma relação familiar conturbada, corrida do ouro e moral.
O livro do mês de abril da TAG – Experiências Literárias foi “Os Irmãos Sisters” e mano, que livro bacanudo! A história, narrada em primeira pessoa, conta a história de Eli e Charlie, os temíveis irmãos Sisters. Os dois trabalham juntos como matadores de aluguel. A história começa quando eles saem em um novo trabalho. O Comodoro, que não gosta de Eli, nomeia Charlie como chefe da operação, o que já causa um certo desconforto, e dá a eles dois cavalos, já que os que eles tinham morreram na última tarefa. Charlie fica com um ótimo cavalo, mas Eli ganha Tub, que é mais lento, o que ele odeia no começo, mas aos poucos vai se afeiçoando ao animal, o que gera cenas bem legais entre os dois. A nova tarefa dos irmãos é sair de Oregon e ir até San Francisco encontrar um homem que passaria todas as informações sobre um garimpeiro que eles tinham que matar e em seguida terminar o trabalho.
Muitas coisas acontecem durante o trajeto deles até seu destino, não dá pra discutir todos, senão o pessoal reclama de spoiler e tal, mas acho bacana pontuar alguns eventos importantes da história. Logo no começo, os irmãos precisam parar para descansar, então eles acabam batendo em uma cabana. A mulher que está morando lá é super estranha, e eles ficam bem ressabidos. É uma sequência bem bacana, nós ficamos tensos pensando no que irá acontecer e termina de um jeito bem reflexivo. Outro encontro interessante é com o dentista. Gostei bastante desse personagem e fica bem pontuado a diferença moral dos irmãos. Outros eventos como a caçada à uma ursa vermelha e todo o desenrolar dessa história, uma menina misteriosa, a moça pálida e doente por quem Eli se apaixona... tudo isso traz várias reflexões interessantes e que deixam a trama muito mais envolvente.

Enquanto lia, fui anotando umas coisas que achava interessante discutir. Primeiro, a diferença dos dois é gritante. Na revistinha que vem junto com o livro tem uma entrevista bem bacana com Daniel Galera, o curador do mês, onde ele diz: “Eli, o narrador da história, é um homem algo ingênuo e cheio de compaixão. O outro, Charlie, é um executor pragmático e brutal.”
Realmente Charlie é bem mais frio que o irmão. Todas as suas atitudes nos fazem até ficar com um certo incômodo em relação a ele. Nossa simpatia vai toda para Eli, que demonstra compaixão e deixa claro desde o começo que se pudesse, largaria tudo e levaria uma vida normal. Contudo, temos que lembrar que a história é contada em primeira pessoa, então não temos acesso aos pensamentos e sentimentos de Charlie. Não sabemos o que se passa em sua cabeça realmente e isso nos leva a seguinte questão: será que ele realmente é um homem frio? Será que ele é tão insensível? A relação dos dois é abalada várias vezes e por vários motivos durante toda a narrativa. Será que Charlie ama tanto Eli quanto Eli o ama? Qual o significado de família para ele? Em um determinado momento da história, Eli diz: “Pensei que tinha cruzado o batente da porta por um cavalo de que não gostava, mas Charlie não tinha feito o mesmo por sua própria carne e sangue. Uma vida de altos e baixos, pensei.” e realmente a gente percebe que muitas vezes a família não pesa muito para ele, mas em outros momentos, muito específicos, ele se mostra solidário com a situação do irmão. Charlie passou por muita coisa difícil, fez coisas bem complicadas e que Eli não teve que passar. Será que a história de vida dele não o fez mais duro? Afinal, cada um tem sua forma de enfrentar as durezas da vida. Cada um carrega sua cruz da maneira que lhe seja menos sofrida.
A relação de Eli e tub também é bem interessante. O irmão mais novo com certeza é influenciado pelo meio, seu trabalho o levou a ver as coisas mais friamente, mas ele tem um coração muito bom e com compaixão. Ele odiava o cavalo no começo do livro e teve várias oportunidades durante o trajeto de se livrar dele. A situação de Tub também não o favorecia, era lento e atrapalhava o ritmo da viagem, mas Eli não o abandona em nenhum momento. Ele acaba se afeiçoando ao animal e se apieda dele e, nessa jornada juntos, ele faz de Tub um amigo fiel. Em um dado acontecimento, logo no final do livro, Eli diz “Que vida difícil é a dos animais do homem, que prova de dor, resistência e falta de sentido.” provando mais uma vez que no fim, o cavalo ganhou uma grande importância na vida dele.
No que diz respeito a corrida do ouro, deWitt nos faz pensar até que ponto vale a pena largar tudo para ganhar dinheiro. Muitos saíram de casa, perderam familiares, ficaram doentes, perdendo também a sanidade e alguns até a dignidade. Quando os irmãos encontram um homem que ficou isolado nos rios procurando ouro, Eli diz “parece que a solidão de trabalhar em lugares selvagens não é nada saudável para um homem.”. A solidão, o isolamento transforma o ser humano e muitas vezes essa transformação não é bonita de se ver.
Bom, parando de tagarelar sobre a história e focando na edição... eu queria poder abraçar cada um que faz parte da equipe da TAG! Sério, que cuidado, que respeito com seus associados! Apesar da capa não ser original (é a mesma da edição americana feita pelo premiado Dan Stiles e que figura em diversas listas de melhores capas dos anos 2000), o resto da edição (diagramação, corte preto, textura do papel...) foi pensado exclusivamente para o clube por Gisele Oliveira e segue o excelente trabalho gráfico das edições exclusivas anteriores. O mimo me agradou muito também, apesar de ter sido criticado por alguns associados que disseram que não era útil, mas eu amo artigos decorativos, então eu aprovei!
A escrita do autor é bem direta, gosto muito do estilo que ele utiliza para contar essa história, ele fala o que tem que falar, vai direto ao ponto e muitas vezes nos deixa apreensivos. Sabe amarrar bem a história, retoma personagens e não senti que ficou alguma coisa sem explicação. Ah, uma outra informação, o livro vai virar filme! A produção ainda está montando o elenco, mas parece que Joaquin Phoenix está em negociação para viver um dos protagonistas e a direção fica por conta do francês Jacques Audiard.
Infelizmente essa edição é exclusiva dos associados, mas honestamente, se você é aberto a novos estilos, é um curioso literário, acho que é uma boa a assinatura (e quem é associado tem acesso a loja e pode comprar as edições passadas. Então corre que esse mês tem promoção, fica a dica esperta!). O preço é bom tendo em vista tudo que vem e toda elaboração que tem na produção da luva, revistinha, mimo e claro, o livro que é sempre exclusivo, ou seja, você não encontra aquela edição bonitona de capa dura nas livrarias.

Então é isso, fica a dica desse ótimo livro e desse clube incrível que só me dá alegria! Beijo pra todo mundo e até!
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